ADUnB contra a censura: MEC viola a liberdade de cátedra e a autonomia universitária


A ADUnB disponibiliza parecer jurídico sobre o Ofício-Circular nº 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC encaminhado aos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no dia 7 de fevereiro de 2021. Leia abaixo.










OFÍCIO CIRCULAR N. 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC: A NOVA TENTATIVA INCONSTITUCIONAL DE CERCEAR DIREITOS



1) Breve contexto sobre o Ofício-Circular nº 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC


Em 07/02/2021 foi encaminhado aos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) o Ofício-Circular nº 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC, assinado pelo Diretor de Desenvolvimento da Rede de IFES.


Trata-se de documento que encaminha a Recomendação do Ministério Público Federal (MPF) nº 133, de 5 de junho de 2019, com intuito de “fomentar que as Universidades Federais garantam a adequada utilização de seus bens públicos, observando sempre a afetação daqueles à finalidade da instituição”.


O documento destaca que “o MPF recomenda a tomada de providências para “prevenir e punir atos político-partidários nas instituições federais de ensino”, bem como que os recursos financeiros sob gestão destas instituições não podem custear nem patrocinar “a participação de qualquer pessoa física ou jurídica, ou, ainda, agrupamentos de qualquer espécie, em atos político-partidários”.


Na tentativa de fundamentar o infundado, a Recomendação do MPF argumenta sobre a necessidade de punir tais manifestações de cunho político-ideológico, uma vez que ferem os princípios constitucionais que regem a Administração Pública (publicidade, legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência).


Olvida-se que as Universidades, por sua natureza, têm intrínseco o pluralismo de ideias e pensamentos e qualquer diretriz em sentido contrário, é atentatória contra os direitos e deveres constitucionais, demais previsões legislativas e contra a democracia.


2) Violação do direito à liberdade de cátedra


A Recomendação nº 133 do MPF, de 5 de junho de 2019, alega que as diversas manifestações de natureza político-partidária nas instituições de ensino brasileiras, prejudicam sobremaneira à sociedade, uma vez que produzem a paralisação das atividades e danos ao patrimônio público, dentre outras consequências.


E o documento vai além. Sustenta que tais movimentos e manifestações caracterizam impedimentos ao exercício dos direitos sociais fundamentais à educação dos estudantes; ao trabalho dos professores e técnicos; à liberdade de ir e vir daqueles que ocupam e utilizam esses espaços públicos.


Verifica-se clara e inequívoca tentativa de impor às IFES a uniformidade de ideias, em total contrariedade aos preceitos constitucionais e à legislação federal.


Isso porque, o direito à liberdade de cátedra encontra-se protegido pela Constituição Federal, especialmente à luz do artigo 206, que consagra:


Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;



E nesse mesmo sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96) prevê:


Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

(...)

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;



É incontestável que o pleno e efetivo exercício da atividade docente demanda a garantia do direito à liberdade de cátedra que, por sua vez, compreende a liberdade de expressão e de manifestação, não havendo qualquer fundamento legítimo que justifique interpretação em sentido diverso.


Nesse sentido, nos autos da ADPF 548/DF, na análise dos artigos acima transcritos, a Ministra Relatora Cármen Lúcia afirmou que essas normas “harmonizam-se, como de outra forma não seria, com os direitos às liberdades de expressão do pensamento, de informar-se, de informar e de ser informado, constitucionalmente assegurados, para o que o ensino e a aprendizagem conjugam-se assegurando espaços de libertação da pessoa, a partir de ideias e compreensões do mundo convindas ou desavindas e que se expõem para convencer ou simplesmente como exposição do entendimento de cada qual”.


É nítido, portanto, que não há espaço tampouco fundamentos legais que justifiquem a hedionda tentativa de impor às IFES o silenciamento, a unanimidade de ideias e pensamentos e as manifestações de cunho político-partidário, que estão inseridas no âmbito da diversidade ideológica, de modo que o teor do Ofício-Circular nº 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC carece de legalidade e legitimidade para subsistir no âmbito das IFES.


Como registrado pela Ministra Relatora Cármen Lúcia também nos autos da ADPF 548/DF, “impor-se a unanimidade universitária, impedindo ou dificultando a manifestação plural de pensamentos é trancar a universidade, silenciar o estudante e amordaçar o professor”.



3) Violação à autonomia universitária


Certo de que a Recomendação do MPF, que originou o Ofício-Circular n. 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC, sustentou sua perspectiva a partir de princípios constitucionais, importa destacar a clara tergiversação em relação à tais princípios.


Isso porque, o texto constitucional é explícito ao assegurar às universidades autonomia didático-científica e administrativa, conferindo tal garantia para contribuir para a máxima efetividade do direito à educação que, como dito, no âmbito do texto constitucional e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, incorpora o pluralismo ideológico como um de seus pilares.


A propósito, no exercício do direito constitucional da autonomia universitária, vejamos o que dispõe o estatuto da Fundação Universidade de Brasília:


Art. 3º São finalidades essenciais da Universidade de Brasília o ensino, a pesquisa e a extensão, integrados na formação de cidadãos qualificados para o exercício profissional e empenhados na busca de soluções democráticas para os problemas nacionais.

Art. 4º A Universidade de Brasília organiza e desenvolve suas atividades em conformidade com os seguintes princípios:

(...)

II liberdade de ensino, pesquisa e extensão e de difusão e socialização do saber, sem discriminação de qualquer natureza;

IX compromisso com a democracia social, cultural, política e econômica;

XII compromisso com a paz, com a defesa dos direitos humanos e com a preservação do meio ambiente.



Tais dispositivos foram concebidos como normas estruturantes da Universidade Brasília, no exercício constitucional da sua autonomia universitária que, por sua vez, não pode ser afetada ou reduzida, sob pena de danificar os pilares do estado democrático de direito, restringindo direitos e garantias fundamentais, sobretudo dos docentes, cuja atividade profissional é continuamente focada na produção de ciência; de conhecimento e na formação de cidadãs e cidadãos com espírito crítico, técnico e científico.


E, por isso, para além da revogação do Ofício Circular n. 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC e outras medidas administrativas e/ou judiciais cabíveis, assegurar institucionalmente a liberdade de expressão e de manifestação no âmbito da Comunidade Acadêmica, zelando pela proteção da autonomia universitária, são medidas que se impõem para garantir o pleno exercício da atividade docente, assegurada pela Constituição Federal.



Brasília – DF, 04 de março de 2021.



RODRIGUES PINHEIRO ADVOCACIA

ASSESSORIA JURÍDICA ADUnB



LARISSA RODRIGUES DE OLIVEIRA

OAB/DF 48.903



Publicado em 04 de março de 2021

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