A lição de vida da professora Ivonette, agora anistiada pelo Estado brasileiro

Maria Isabel Santiago, mãe de 8 filhos, com sua sabedoria de vida foi capaz de inspirar suas futuras gerações. Esta foi a mãe da professora, médica e militante Ivonette Santiago de Almeida que, no dia 23 de julho de 2024, recebeu da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania o título de anistiada política. Mas este reconhecimento é apenas a consequência de toda uma vida de lutas pela democracia e contra as perseguições desde a época da ditadura. 

Quando da morte de Getúlio Vargas, ainda criança, Ivonette ouviu atentamente as histórias da mãe sobre a organização, a luta e as conquistas dos direitos dos trabalhadores. Aos 13 anos, em Teófilo Otoni (MG), sua cidade natal, já estava envolvida no movimento estudantil da cidade. Aprendeu desde cedo sobre atividades comunitárias. “Não humilhe as pessoas que aparentemente estão abaixo de sua condição social. Para autoridades, expresse seu pensamento e o agir, mas entenda que haverá consequências”, a adolescente escutava da mãe. 

Incentivada também por Maria Isabel, a garota decidiu por seguir o que era chamado de curso normal, que daria a ela a oportunidade de atuar como professora. Quando formada, Ivonette atuou na escola particular da cidade, mas também na obra social que atendia crianças carentes. Conheceu duas realidades distintas. Era um contraste apresentado à sua frente. Em 1961, começou a atuar no Movimento de Educação de Base (MEB). O então Governador, Magalhães Pinto, conseguiu recursos, ainda que baixos, para o pagamento destes professores. Mas em março de 1965, com uma ditadura já instalada, a situação passou a ficar perigosa para estes professores e os recursos foram findados, assim como o MEB. 

Devido às circunstâncias, a professora Ivonette seguiu para a capital do país, Brasília, ainda em construção. Na cidade, por acaso esbarrou na fila de inscrição da prova de concurso para docentes para Secretaria de Educação do Distrito Federal. Feito o concurso, um ano depois, seu nome estava no Diário Oficial da União e ela seguiu para esta nova aventura. 

Já no Distrito Federal, começou a circular pela Universidade de Brasília (UnB) como aluna especial. Em dúvida do que cursar oficialmente, fez um teste vocacional. Decidiu então prestar vestibular para Medicina. Durante o curso, conheceu Maria José Conceição - a Maninha, também militante dentro da UnB. As duas, que faziam parte do movimento estudantil, foram excluídas da Universidade por meio de um memorando enviado após Decreto Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, que já havia expulsado uma série de alunos de maneira sumária. Em busca de uma explicação do ato junto à Universidade, recorreram à reitoria com requerimento que foi indeferido. Conseguiram retornar aos estudos por meio de um mandado de segurança um ano e meio depois. As investidas de perseguição política continuavam. 

Ainda professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Ivonette foi demitida “a pedido” em 1969, só que nada  havia sido formalizado por ela. Para buscar uma nova maneira de sobrevivência, oferecia serviços informais - artesanatos e consertos de persianas. Em outra oportunidade, prestou mais um concurso público para professora de Ensino Médio, cujo vínculo passou a ser CLT. 

Terminado o mestrado na UnB, em 1979, fez parte da equipe de planejamento e gestão no Ministério da Saúde, onde percebia os indícios da contínua perseguição política.

Na expectativa de continuar como docente, Ivonette foi à Uberlândia, onde tornou-se professora da Universidade Federal, em um dos raros concursos da época. Transferida de Uberlândia, a professora apenas retornou à Universidade de Brasília em 1986. A perseguição não teve fim. Mas a luta de Ivonette também não. Para ela, estes eram apenas percalços de uma história de luta pela defesa da educação e da saúde pública para o país. 

Após a ditadura, com a Lei da Anistia, solicitou aos órgãos de repressão documentos a seu respeito, por via administrativa e judicial (habeas data). Afinal, não sabia precisamente o que a ditadura civil militar (1964-1985) tinha contra ela. Após 6 anos de negativas, obteve cópias de documentos em que as acusações caracterizavam perseguições políticas.  

A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, após 21 anos, reconheceu estas perseguições e pediu perdão por tudo o que Ivonette sofreu em todo este período. A professora resgata o ensinamento da mãe. “Política é importante e é coisa séria. A justiça é necessária”, disse ela em seu pronunciamento na referida Comissão. Durante todos esses anos, demonstrou seu amor não apenas pela UnB, responsável pela sua formação, mas também pela cidade de Brasília, que viu nascer e crescer. A trajetória de Ivonette representa a luta em defesa da democracia, da educação e da saúde pública para todos. “Sou cidadã do Campus”, reforça. Para acessar a reunião da Comissão, clique aqui

A professora foi uma das entrevistadas pela ADUnB, durante a produção da Websérie “Memórias de Luta”. Para acessar a entrevista com sua trajetória, clique aqui

Websérie “ADUnB Memórias de Luta” 

Entender o presente requer conhecer o passado. A memória dos movimentos sindicais é marcada por resistência e luta, mas também por muitas conquistas. A Associação dos Docentes da Universidade de Brasília - Seção Sindical do ANDES-SN (ADUnB-S.Sind) por meio da produção da WebSérie  “ADUnB Memórias de Luta”.

No primeiro episódio, disponível no Youtube, a websérie reacende o diálogo sobre as condições conjunturais que deram origem ao histórico movimento docente na UnB, constituindo as bases para  a criação da ADUnB em plena  ditadura militar. Além disso, foram ouvidos docentes que participaram do movimento que deu origem à criação do sindicato, em 25 maio de 1978.

O “ADUnB Memórias de Luta”  aborda ainda a reafirmação do projeto de universidade pública e o papel da UnB no cenário nacional, com o objetivo de assegurar a memória do sindicato, da sua construção e da sua história de luta. 

Mesmo em meio às inúmeras situações adversas enfrentadas, com interventores na UnB, indicados pela Ditadura Militar, perseguição a estudantes e intervenção de militares dentro do campus, foi criado um  movimento coletivo de resistência.

A proposta da série é uma demanda do Grupo de Trabalho de Política de Formação Sindical e das sindicalizadas e sindicalizados aposentados do sindicato. 

 

Publicado em 15 de agosto de 2024

Compartilhe: