Audiência Pública aponta para disputa constitucional em defesa da educação
A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública nesta quinta-feira (6/6) para debater a Liberdade de Cátedra. Representando a Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), o ex-reitor José Geraldo de Sousa Júnior disse que o país passa por um momento de desconstitucionalização e desdemocratização.
“Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo, que pode até mesmo contrapor-se ao Estado”, disse o professor, lembrando as palavras da ministra Cármen Lúcia no julgamento da (ADPF) 548*, que garantiu a livre manifestação de ideias em universidades. “O exercício de autoridade não se pode converter em ato de autoritarismo. Aí é onde nós devemos traçar a nossa luta”, afirmou José Geraldo.
O professor defendeu a mobilização social em defesa da constituição e da democracia como caminho de resistência. “Saímos de um momento em que milhões de pessoas tomaram as ruas para reafirmar o sentido da autonomia da sociedade [no 15M e 30M]. É preciso recuperar as ruas para o protagonismo social, os movimentos sociais, sindicais e políticos” afirmou José Geraldo.
A procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, lembrou que a escola, antes da Constituição Federal de 1988, sempre serviu como instrumento de homogeneização da sociedade, pautada para naturalizar a dominação que existia até então. “Ninguém discutia a escravidão, gênero, o episódio da conquista, a diversidade sexual… A constituição cidadã convoca todos os excluídos dessa história a assumirem seu protagonismo na sociedade nacional. E a escola vai ser fundamental, porque vai ter que contar as histórias ocultadas e falsificadas, vai ter que desenvolver o que sempre foi suprimido da população brasileira: o espírito crítico, a partir das histórias dos excluídos, das micronarrativas à margem dos poderes”, disse a procuradora. “O papel da educação é trabalhar para a cidadania”.
Contingenciamentos
Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Fernando Penna coordena o Movimento Educação Democrática e se emocionou ao comentar a situação dramática da universidade, que pode fechar suas portas em julho caso os recursos não sejam descontingenciados. “É um corte com consequências drásticas. Não estamos lidando com chocolatinhos. Estamos falando da dona Lourdes, da limpeza; da Luana, do departamento; da Juceli, da história… É uma situação muito difícil. Colegas já estão sendo mandados embora da universidade”, lamentou.A UFF foi uma das universidades consideradas “de balbúrdia” pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub (junto com a UnB e a Universidade Federal da Bahia). Fernando Penna apontou a universalização do acesso como um dos motivos do ataque do ministro. “É uma universidade que foi democratizada. São 64,7% dos estudantes advindos de escolas públicas, 50,8% filhos de pais e mães que não frequentaram o ensino superior, 51,2% negros e 70,2% com renda familiar per capta de até 1,5 salário mínimo”.
“Não é só um orçamento contingenciado. É um ato de administração camuflando uma forma espúria de governança para fazer dos interesses setoriais expressão da política. Isso é crime de responsabilidade”, considerou José Geraldo.
Raquel Dias Araújo, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), ressaltou a importância das mobilizações contra proposições que pretendem cercear a liberdade de cátedra, como o Projeto de Lei (PL) Escola Sem Partido, colocado em votação 12 vezes em 2018 e derrotado pela ação de obstrução dos parlamentares da oposição. “Junto com a Frente Nacional Escola Sem Mordaça e as entidades estudantis, conseguimos derrotar esse projeto. É uma vitória importante, mas parcial. Em 2019 surgiu o PL 246, de autoria da deputada Bia Kicis que traz o cerceamento da liberdade da organização e de expressão das entidades estudantis no interior das escolas e universidades”, alertou Raquel.
Publicação pela Liberdade de CátedraA deputada federal Erika Kokay (PT/DF), propositora da audiência junto com a deputada Luiza Erundina (PSOL/SP), afirmou que a Comissão fará uma publicação sobre Liberdade de Cátedra a partir dos debates. “Esta audiência acontece em função de uma preocupação formulada pela ADUnB sobre o avanço no nível de silenciamento que se quer impor sobre as escolas”, disse a deputada. “Está muito explícito que não é resposta a uma crise fiscal. Foi dito [pelo governo] de maneira muito clara e explícita a intenção de premiar os parlamentares que votarem a favor da Reforma da Previdência. Este é um processo e um ataque ideológico, na tentativa de silenciar e impedir que tenhamos territórios onde a diversidade é natural”, comentou a deputada.Também participaram da mesa Catarina de Almeida Santos, representante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e a professora do Departamento de Literatura e da pós-graduação em História da Universidade Federal do Ceará, Irenísia Oliveira.
*A ADPF 548 foi ajuizada pela procuradora-geral da república, Raquel Dodge, contra decisões de juízes eleitorais que determinaram a busca e a apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral em universidades e nas dependências das sedes de associações de docentes, proibiram aulas com temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política, impondo a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018 em universidades federais e estaduais.
Publicado em 06 de junho de 2019