“O parlamento pode salvar a ciência brasileira”, diz presidente da Academia Brasileira de Ciências
Em audiência pública realizada nesta quarta-feira (28) na Câmara dos Deputados, representantes de entidades científicas, sindicatos e parlamentares discutiram a situação orçamentária do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que está com déficit de R$ 330 milhões, valor necessário para o pagamento das bolsas de mais de 84 mil pesquisadores até o fim do ano. O órgão já suspendeu a assinatura de novos contratos de bolsas.
O déficit foi previsto pelo CNPq desde o ano passado, quando a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019 foi aprovada. O Conselho informou que já gastou 88% da verba disponível em 2019 para o pagamento de bolsas. “Para mudar o quadro, tem que haver um Projeto de Lei e o congresso tem que votar uma nova lei que nos dê o crédito suplementar”, explicou o presidente do CNPq, João Luiz Filgueiras de Azevedo.
O orçamento do CNPq em 2019 será o menor desde o ano 2000, de acordo com dados apresentados pelo presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, que afirmou o papel decisivo do Poder Legislativo para destinar recursos à ciência e tecnologia. “Os parlamentares foram eleitos para defender os interesses do povo brasileiro e mostrar independência, por isso existem os Três Poderes. Nesse momento de crise, o parlamento pode salvar a ciência brasileira”.
Davidovich ressaltou a urgência na recomposição do orçamento em investimento, que envolve o subsídio do CNPq aos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (ICTs) e aos compromissos de cooperação internacional, como o Programa Antártico Brasileiro, que garante a presença do Brasil na Antártica. “O CNPq é muito mais que um pagador de bolsas, é um órgão com atuação transversal. É preciso aumentar enormemente os recursos para investimento em pesquisas fundamentais para o desenvolvimento e soberania do país”.
A deputada Margarida Salomão informou que o Ministério da Economia foi convidado a participar da audiência, mas não compareceu. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (Mctic) enviou como representante Julio Francisco Semeghini Neto, secretário-executivo do órgão.
Semeghini disse que o Ministério pretende remanejar recursos dentro da própria autonomia orçamentária para não atrasar o pagamento das bolsas do CNPq. “No orçamento do ano que vem, já temos os recursos para as bolsas. A gente não pode fazer com que a comunidade gaste tanto do seu tempo discutindo R$ 300 milhões para acabarmos de pagar as bolsas no país”, disse o secretário. “Para o orçamento do ano que vem, estamos construindo, na modalidade de bolsas, um dinheiro que não poderá ser mexido”, finalizou Semeghini, que disse contar com o apoio do parlamento para aprovação do PLOA/2020.
Cortes das Bolsas
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, apresentou ranking que aponta o Brasil como o 13º no mundo em produção científica, resultado dos investimentos continuados na área. Com o atual quadro, há um risco de queda na produtividade e na inserção de jovens pesquisadores na área acadêmica.
As Bolsas de iniciação científica e iniciação científica júnior, voltadas a estudantes do ensino fundamental e médio, custam apenas R$ 100,00. “Cortar as bolsas de iniciação científica - que são da ordem de 44 mil, significa um imenso desestímulo para os jovens pesquisadores brasileiros desde o Ensino Médio”, afirmou Ildeu.
Liliane Machado, diretora da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) acompanhou a audiência e destacou a urgência da recomposição orçamentária do CNPq. “O CNPq foi criado há 68 anos e é de uma importância fundamental para que atualmente o Brasil ocupe a 13ª posição na produção de ciência no mundo, mas o investimento na área é cada vez menor e isso aponta para um futuro em que a ciência vai perder a importância”, disse a professora.
O presidente da Associação dos Servidores do CNPq (Ascon), Roberto Muniz Barreto, comentou sobre a fundação do órgão e sua importância estratégica. “País que não desenvolve ciência e tecnologia não é soberano e não vai ter autonomia. Não adianta importar pacote tecnológico”, afirmou Barreto. “Sofremos uma ruptura. O modelo de ciência e tecnologia para o bem estar, autonomia e inclusão social está sendo abandonado”.
“Quando suspendemos bolsas, estamos colocando em risco bilhões que foram investidos no passado em pesquisas que estão em andamento e podem ser interrompidas pela ausência de pesquisadores, de insumos e pela inviabilidade do funcionamento de laboratórios”, alertou Adriano Correa Silva, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof) e professor da Universidade Federal de Goiás. “Não se trata apenas desse montante emergencial para cumprir as necessidades básicas do CNPq, mas do quanto essas pesquisas prejudicadas ou interrompidas afetarão as vindouras, porque o sistema é todo interligado”, pontuou o professor.
Publicado em 28 de agosto de 2019